Dialetos Africanos Falados em Minas Gerais
Artigo publicado antes de 2003 e atualizado em 24.01.2019.
Sobre os dialetos africanos falados em Minas Gerais, a maior preservação cultural feita até hoje acha-se consubstanciada no livro “O Negro e o Garimpo em Minas Gerais”, monumento à cultura mineira, onde Aires da Mata Machado Filho, com a colaboração de seu preposto, Araújo Sobrinho, preservou, entre 1928 a 1938, não só “umas cantigas africanas ouvidas outrora nos serviços de mineração”, chamadas “vissungos”, mas “um dialeto crioulo de negros bantos”, deixando, para os musicólogos as partituras musicais e as letras dessas cantigas e, para os sociólogos e etnolinguistas, o folclore, o vocabulário e uma gramática da chamada “língua de Benguela” de São João da Chapada que até hoje é distrito de Diamantina, sito a noroeste desse município. Preferimos, com Aires, a expressão dialeto e não língua pois trata-se de falar afro-mineiro que recebeu aportes de várias línguas banto.
Escrevi, em 1990, o romance-histórico “Cruzeiro, o Quilombo das Luzes“, onde os negros falam a “língua de São João da Chapada”, explicada em um glossário final, extraído em mais de 80% da obra de Mata Machado. Esse livro me deu um trabalho dos diabos. Revelou-se, no entanto, verdadeiro refugo cultural, pois ninguém o quis publicar nem que eu pagasse. Assim, eu o “publiquei” de graça pela Internet em fevereiro de 2001. As duas críticas mais frequentes eram: a) o romance é bom… mas será que não tem negros demais? b) que diabo… os negros no Brasil falavam era yorubá; você não devia ter “inventado” essa língua esquisita!
Quanto à primeira crítica, realmente, não me custava nada ter criado um quilombo só com alemães. Quanto à “língua”, em meu livro “Quilombo do Campo Grande: História de Minas que se devolve ao povo” já havia afirmado que as línguas africanas mais faladas em Minas sempre foram as do grupo bantu. Minas nunca falou a língua Yorubá de Salvador-BA. A toponímia africana das Minas Gerais é quase 100% bantu; acho que só isto bastaria.
Essa ignorância acabou sendo vencida e Cruzeiro, o Quilombo das Luzes acabou se transformando no meu segundo livro mais lido. Por isso, em 2018, o publiquei em papel, pela MG QUILOMBO Editora, na 25ª Bienal Internacional do Livro, em São Paulo.
O tempo é o pai da razão. Por volta de março do ano 1999 fiquei sabendo que em São Paulo, em 1995[1] se constatara uma comunidade que, por falar a mesmíssima “língua” de São João da Chapada – claro que com algumas diferenças de pronúncia – viria a ser divulgada em “Cafundó: a África no Brasil – Linguagem e sociedade, de Carlos Vogt & Peter Fry. São Paulo: Editora da UNICAMP & Companhia das Letras, 1996, 373p.(p. 100-103); Resenhado por Margarida M. Taddoni Petter”. Analisei o vocabulário e constatei: quase 100% bantu.
O meu livro “Cruzeiro, o Quilombo das Luzes”, na verdade, conta a história em ficção romanceada do Quilombo do Ribeirão de Santo Antônio que antecedeu o Povoado do Doce, hoje município de Moema-MG. Assim, vibrei também quando, em março de 2000, fiquei sabendo que, alguém, além de mim, parece ter-se dado conta do mesmo tesouro (na vizinha Bom Despacho-MG) e que, em 1998, teria escrito “Pé preto no barro branco: a língua dos negros da Tabatinga”[2], de Sônia Queiroz, 1998, Belo Horizonte: Editora UFMG (p. 116-117), resenhado por Hildo H. do Couto”. Pelo que vi no jornal é “língua” totalmente bantu em seus radicais africanos, misturada porém com radicais da língua geral dos paulistas de Pitangui.
Ver também A Língua Calunga de Patrocínio.
Ver, ainda, a matéria “Na Lapa de Makemba” de Spirito Santo.
[1] Revista da Folha n. 160 de 14.05.1995.
[2] Bairro de Bom Despacho-MG, habitado por pardos e negros que falam a mesma “língua” que alguns negros velhos de Moema-MG.
DESFAZENDO O MITO DA PREDOMINÂNCIA E SUPREMACIA YORUBA-NAGÔ!