Matéria publicada no ano de 2003 e revisada em 25.01.2019.
Os atos e fatos, hoje documentados, da verdadeira contribuição negra e seus ícones na descoberta, conquista e construção das Minas Gerais precisam ser incluídos na historiografia da Pátria Mineira.
Como se sabe, negros na História Mineira, só são conhecidos o escravo Alexandre do padre Rolim e fiel Escravo Nicolau de Domingos Vieira, além de Capitania, o carrasco de Tiradentes. Mesmo tendo sido reconhecido como Inconfidente, o preto Alferes do Regimento de Cavalaria Auxiliar de São João del-Rei, Vitoriano Gonçalves Veloso, condenado ao degredo como os demais Inconfidentes, foi o único a ser, antes, por ser preto, açoitado aos pés do patíbulo de Tiradentes. De resto, todos os atos e fatos vividos ou praticados pelos pretos foram excluídos em nossa historiografia.
História e Sociologia COM o negro, em Minas Gerais
Os livros específicos sobre a participação dos negros em nossa história mineira são os seguintes:
01 – “A Abolição em Minas”, de Oíliam José, Itatiaia, 1962, 171 págs.
Numa época em que o tema negritude ainda não tinha o trânsito que tem hoje nas Minas Gerais, Oíliam falou, com seu jeito suave, falou toda a verdade do escravismo mineiro, dando enfoque sobre os acontecimentos que antecederam a Abolição até os festejos do Treze de Maio em algumas das cidades mineiras. Foi, a meu ver, a primeira obra de inclusão do negro na Historiografia mineira. Recomendo sempre.
02 – “Negros e Quilombos em Minas Gerais”, de Waldemar de Almeida Barbosa, Edição do Autor, 1972, 182 páginas.
O autor, pesquisador laborioso, carrega muito da maneira preconceituosa de pensar de sua época, sendo, no entanto, a mais completa obra que, até então, havia sobre a trajetória quilombola nas Minas Gerais. Errou ao negar a Primeira Povoação do Ambrósio de Cristais-MG e afirmar que esse Quilombo só existira em Ibiá-MG
03 – “O Negro e o Garimpo em Minas Gerais”, de Aires da Mata Machado Filho, Itatiaia/Edusp, 1985, 141 páginas.
Trata-se de valiosíssimo tesouro cultural coletado e armazenado pelo autor nesse livro, que, em Minas Gerais, nunca recebeu a atenção e o destaque que merece. Não fossem Geraldo Filme e Clementina de Jesus, em São Paulo, talvez o Brasil não conhecesse até hoje os vissungos de São João da Chapada. Livro Indispensável. Recomendo sempre.
04 – “A Negação da Ordem Escravista”, de Carlos Magno Guimarães, Ícone Editora, 1988, 171 páginas.
Livro oriundo da tese de mestrado que o autor prestou na UFMG, tendo como principal qualidade uma boa catalogação de fontes primárias listadas do Arquivo Público Mineiro – APM, porém, sem qualquer nexo ou conotação fática, de tempo ou de espaço dos documentos entre si. Errou ao não perceber a existência da Primeira Povoação do Ambrósio, o Primeiro Quilombo do Ambrósio que ficava em Cristais-MG e não em Ibiá.
05 – “O Negro na Economia Mineira”, de Oíliam José, Edição do Autor, 1993, 334 páginas.
O primeiro livro desse autor, “Abolição em Minas”, representou um marco tão importante para a historiografia do negro nas Minas Gerais que este, infelizmente, não o poderia jamais suplantar.
06 – “Quilombo do Campo Grande – A História de Minas Roubada do Povo”, de Tarcísio José Martins, editora A Gazeta Maçônica, 1995, 318 páginas.
Como o próprio título diz, meu livro trouxe fatos e documentos novos, aplicando a LÓGICA FORMAL na interpretação da História de Minas Gerais e inserindo nela a história dos quilombos mineiros, especialmente do Quilombo do Campo Grande e sua Confederação, no tempo e no espaço, com cerca de 25 vilas ou núcleos quilombolas.
07 – “Quilombos: Classes, Estado e Cotidiano (Minas Gerais – Século XVIII)”, de Carlos Magno Guimarães.
Tese de doutorado em História Social, apresentada ao Departamento de História da FFLCH/USP sob orientação da Profa. Dra. Mary L. M. Del Priori, provavelmente no ano de 2000. Trata-se, na verdade, do próprio “Negação da Ordem Escravista”, com algumas inversões ou rearticulações. Ele e sua orientadora erraram duplamente ao ignorar o trabalho do colega Tarcísio José Martins, inclusive publicado no site do MG QUILOMBO, e insistir em negar a existência da Primeira Povoação do Ambrósio, o Primeiro Quilombo do Ambrósio que ficava em Cristais-MG e Formiga-MG, e não em Ibiá-MG.
08 – Quilombo do Campo Grande – História de Minas que se Devolve ao Povo, de Tarcísio José Martins, Editora Santa Clara, Contagem-MG, agosto-2008, 1032 páginas, com o selo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG.
Confirma em suas 1032 páginas praticamente tudo que se afirmou na primeira, indicando suas fontes privilegiadamente primárias em 2.747 notas de rodapé, com o objetivo de propiciar a aferição e o aprofundamento no estudo, a ponto de justificar a mudança do subtítulo da primeira edição para “História de Minas que se Devolve ao Povo”. Edição esgotada em abril/2010, foi disponibilizado gratuitamente em PDF. Por ocasião da 26º Bienal Internacional do Livro de São Paulo, foi relançado em papel pela MG QUILOMBO Editora Ltda, em sua terceira edição.
09 – Quilombo do Campo Grande – Ladrões da História, de Tarcísio José Martins, Editora Santa Clara, Contagem-MG, setembro-2011, 290 páginas e 855 notas de rodapé, com o selo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG. Revela e denuncia os nomes das autoridades que acusa em seu subtítulo e desmascara as entidades e historiadores que contribuíram para ocultar a História da Confederação Quilombola do Campo Grande, onde se destacam atualmente o IPHAN e o Ministério da Cultura sob o beneplácito de todos os governos mineiros.
10 – Roubando a História, matando a Tradição: carta da Câmara da Vila de Tamanduá à Rainha – 1793, livro de 430 páginas, 52 ilustrações coloridas, 930 notas de rodapé com indicações de fontes primárias e bibliográficas. Trata-se de uma auditoria técnico-jurídica ao texto manuscrito da Carta que a Câmara de Tamanduá (atual Itapecerica-MG) escreveu à Rainha Maria Primeira em 1793, publicado pela Revista do Arquivo Público Mineiro – APM em 1897. Comprova-se ser um documento 100% ideologicamente falso que levou a erro gerações de historiadores que escreveram sobre o Triângulo Mineiro e sobre os Quilombos do Campo Grande, incluindo o Quilombo do Ambrósio, nos últimos duzentos anos. Por isso, recebeu o Selo Luís Gama de publicações da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB/MG. Lançado em 2018 pela MG QUILOMBO Editora Ltda junto à 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
Ícones Negros a serem Inseridos na Historiografia Mineira
Quanto aos ícones negros que precisam ser melhor investigados, preservados e cultuados na História de Minas Gerais, por enquanto, sugiro os seguintes:
Aqueles que ajudaram os reinóis a conquistar as Minas Gerais:
1 – O mulato paulista, bandeirante Duarte Lopes, verdadeiro descobridor do Ouro Preto[1].
2 – O incógnito “valoroso negro” que foi um dos primeiros a morrer sob o fogo das escopetas paulistas no chamado Capão da Traição[2].
3 – O negro forro chamado Lourenço da Mota que, na defesa do Fortim da atual São João del-Rei contra os paulistas de Amador Bueno da Veiga, com seus quinhentos negros “(…) alguns destes com armas, dos quais se formou uma companhia, (…) com os quais fez muito bem a sua obrigação e foi um dos feridos. E os mais se armaram com foices de roça e paus de pontas tostadas”[3].
Museu construído sobre o fortim defendido do ataque paulista pelos reinóis e pela tropa de pretos do capitão Lourenço da Mota, de São João del-Rei – foto TJMartins.
4 – Merece ser estudado José Inácio Marçal Coutinho, o crioulo forro que falava várias línguas, conhecia as artes da política, suposto líder e procurador dos pretos forros e das irmandades de pretos e pardos da capitania, acabou sendo humilhado, pois se deixou levar por sua vaidade e ambição e o que recebeu foi um título e patente de capitão do mato em Lisboa, diretamente do rei dom José I.
Aqueles que, inconformados com o escravismo, partiram para a luta.
1 – Comecemos pelos supostos incógnitos líderes da Inconfidência Quilombola de 1719, sudaneses e bantus, que, acusados falsamente pelo conde de Assumar, resistiram e, com a ajuda de Ambrósio Caldeira Brant e do ouvidor Valério da Costa Gouveia que lhes nomeou advogados, acabaram sendo absolvidos, apesar de nossos historiadores repetirem até os dias de hoje todas as mentiras do conde de Assumar[4].
2 – O Pai Ambrósio de que falam as Cartas Chilenas, ou Rei Ambrósio de que falou Gomes Freire e seu irmão José Antonio, aquele que, segundo o escriba de Pamplona, o Quilombo de Ibiá foi “(…) não afamado nestas minas como prejudicial aos moradores delas”[5]. O Rei Ambrósio, depois de 30 anos de luta, pereceu em combate no dia 7 de setembro de 1759, no Quilombo da Pernaíba, a norte da atual Patrocínio-MG. Deveu-se a Ambrósio e a seus bravos quilombolas a extinção do Sistema Tributário da Capitação (1735-1751), este sim, e não as casas de fundição ou derrama, é que foram os quintos dos infernos, expressão cunhada pelo historiador Tarcísio José Martins, no ano de 1991, em seu romance-histórico SESMARIA: Cruzeiro, o quilombo das Luzes, e plagiada por muitos autores.
3 – Pedro Angola, o sucessor de Ambrósio, o chefe quilombola sobre o qual escreveu José Antonio Freire de Andrade alertando que “sendo certo que o capitão Antônio Francisco França me tem segurado, por duas ou três vezes, que EM O DITO NEGRO SE SOLTANDO NÃO FICARÁ NEGRO ALGUM NESTA CAPITANIA QUE ELE NÃO TORNE A CONDUZIR PARA OS QUILOMBOS DO CAMPO GRANDE[6]”.
5 – Os Cinquenta Líderes do Campo Grande que, pelo mesmo caminho que passariam os Inconfidentes em 1788-1789, seguiram presos em 1760 para o Rio de Janeiro, onde foram consumidos nos trabalhos forçados de desmonte e reconstrução da Fortaleza de Villegagnon, ilha-fortaleza que hoje pode ser vista pelo Google Earth, ao lado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Sapucaí, portanto, é ali.
Ilha de Villegagnon, antes e depois do trabalho feito pelos 50 quilombolas aprisionados nos Quilombos do Campo Grande
5 – A dupla Bateeiro e Beixudo, ou Batieiro e Beiçudo, líderes quilombolas do Redondo, da Pedra Menina, Susuy e Peropeba, que, após a queda do Campo Grande, deu enormes dores de cabeça para o governo, pois preso o Bateeiro, este escapava; Beixudo nunca foi preso.
6 – Isidoro, um preto cabra, João Costa e José Basílio, pardos, líderes garimpeiros do Tijuco, descobertos por Joaquim Felício dos Santos.
7 – Dezenas de outros líderes quilombolas que, aqui e ali, mostraram sua bravura até a Abolição, em 13 de maio de 1888.
Como se vê, heróis negros, quer de um lado, quer de outro, não faltam na história mineira. O que NÃO se pode aceitar é que de nenhum lado sejam mostrados.
2003 © Todos os direitos reservados a Tarcísio José Martins
[1] Vide Minas Gerais: ORIGENS, pp. 80-82.
[2] Episódio da Guerra dos Emboabas e sua Geografia, de Eduardo Canabrava Barreiros, Itatiaia/Edusp, 1984, pg. 79/86.
[3] Vide Minas Gerais: ORIGENS, pp. 344-368.
[4] Quilombo do Campo Grande: História de Minas que se devolve ao povo, 3ª Edição, 2018, pp. 287-291 e 364-370.
[5] Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 108, 1988, pg. 101.
[6] APM SC 110, fl. 135.
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