A revista do APM, 1901, vol. 6, fasc. 3,4, pp. 985/1016 publicou edição fac-similar de Simão Ferreira Machado. Este livreto fac-símile está publicado no site do APM. Você pode baixá-lo e conferir pessoalmente esta matéria.
Veja que no próprio frontispício do livreto está escrito que este fora “Dedicado à Soberana Senhora do Rosário pelos Irmãos Pretos da sua Irmandade e à instância dos mesmos, exposto à pública notícia”. Revista do APM, 1901, vol. 6, fasc. 3,4, p. 985.
Realmente. Em dedicatória à “Soberana Senhora”, assinada pelos “Irmãos pretos da vossa Irmandade do Rosário”, esses “irmãos pretos” deixaram claro que foi “daquele afeto, com que veneramos a vossa Soberana Majestade (Nossa Senhora do Rosário sempre foi considerada a Rainha dos pretos) se derivaram aqueles júbilos de alegria (a procissão e as festas do Triunfo Eucarístico).
Esclareceram também que “do mesmo nosso afeto nasceu o desejo, de que tão grande solenidade se publicasse, porque a notícia tem estímulos para exemplo (…). Esta consideração nos obrigou a solicitar esta pública escritura, em que sempre o vosso afeto esteja referindo em perpétua lembrança e contínua narração dos presentes e futuros toda a ordem de tão magnífica solenidade. (…)
Sai, pois, à pública luz esta escritura, e narração de tão grande solenidade; e porque o motivo de a solicitarmos foi o vosso agrado e o nosso agradecimento, depende da vossa providência a utilidade do exemplo; e de vossa grandeza e benignidade o perdão para tão limitado desempenho de nossa obrigação, que reconhecemos prostrados aos vossos sagrados pés”. Assinam “os Irmãos pretos de vossa Irmandade do Rosário”. Revista do APM, 1901, vol. 6, fasc. 3,4, p. 987.
A expressão “à instância dos mesmos” irmãos pretos da Irmandade do Rosário, leva à segura interpretação de que foram também eles que pagaram todas as licenças para impressão descritas nas pp. 988 a 991 da citada Revista do APM.
Os brancos mineiros dos anos setecentos não faziam qualquer trabalho manual, considerando como tal, até mesmo a música, a pintura, a escultura e, por óbvio, a construção de carros decorados, adereços, enfeites, as declamações, as farsas, etc . Vide Instrução de 1788, in Revista do Arquivo Público Mineiro, v. 8, p. 561. Assim, os pretos – que já eram maioria – fizeram a sua parte em toda a encenação e, ao final, mandaram publicar em Lisboa o livreto por Simão Ferreira Machado.
Portanto, como está escrito no livreto do Simão, quem produziu parte do evento e financiou a publicação do livreto foram os pretos da Irmandade do Rosário e não os brancos da Capitania de Minas Gerais. A essa época, os pretos forros já se destacavam como militares, intelectuais e, principalmente, como pequenos comerciantes, como comprovou o preto letrado José Inácio Marçal Coutinho em 1755.
É de se interpretar que este feito dos pretos da Irmandade do Rosário tenha sido uma resposta político-cristã à recente regulamentação (1725) do Ultramar que tornara ignóbil o sangue negro e passara restringir que os pretos forros pudessem continuar a ocupar cargos nas câmaras das vilas, cartórios e nas ouvidorias, afora outras restrições econômicas, políticas e sociais. A Capitania de Minas Gerais, p. 77, confirmada no verbete nº 641 do IMAR/MG, Cx. 7, doc. 26, p. 47 do AHU.
Portanto, a Wikipédia e todos os autores que cita nesta matéria continuam apenas a reproduzir uma visão racista-idiotizada deste fato, pois querem enxergar que foram apenas os brancos que fizeram a festa do Triunfo Eucarístico e publicaram o famoso livreto. Ora, nenhum documento dá suporte a essa estúpida visão e o próprio livreto a rechaça de forma EXPRESSA, clara e insofismável. Foram os pretos que produziram e protagonizaram a sua parte do Triunfo Eucarístico, bem como, que financiaram a publicação do livreto que eternizou este fato para a História. Não fosse isso, os “brancos” monarquistas e racistas da Ouro Preto de hoje saberiam NADA sobre esse evento totalmente promovido por seus pretos.
O MGQUILOMBO pede que seus quilombolas baixem o livreto do Simão e registrem seu comentário nesta página.