Decodificação genética comprova estudos do historiador Tarcísio José Martins quanto à origem da população negra brasileira, registrados na primeira edição de seu livro, “Quilombo do Campo Grande – A História de Minas roubada do povo”, e confirmados na sua segunda edição lançada com o subtítulo “que se devolve ao Povo”. Somos bantus!
Um estudo genético identificou, pela primeira vez por meio de DNA, as regiões da África que mais contribuíram para a formação do povo brasileiro.
Documentos queimados
Segundo o estudo, a origem dos escravos levados para o Brasil sempre foi um assunto nebuloso, sem documentação completa. Para evitar pedidos de indenização, documentos históricos sobre a escravidão foram queimados após a abolição, em 1888.
Acredita-se que entre 3,6 milhões e 4 milhões de escravos tenham sido trazidos para o Brasil entre 1550 a 1870.
Mas não há dados, por exemplo, sobre o enorme número de africanos transportados ilegalmente após 1830, quando o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra para acabar com o comércio de escravos. A falta dessas informações dificulta que se saiba, exatamente, de onde vieram africanos trazidos para o Brasil.
Além disso, o porto de embarcação, registrado nos arquivos, não reflete, necessariamente, a origem geográfica dos escravos que, muitas vezes, eram capturados no interior, a centenas de quilômetros do litoral.
‘Cada porto drenava de uma área territorial grande. Às vezes, as pessoas eram capturadas e tinham de viajar mil quilômetros antes de chegar ao litoral’, diz Pena, que também faz incursões pela história e pela antropologia social.
‘Vingança do derrotado’
Para chegar aos números para cada região, Pena analisou as linhagens materna e paterna dos 120 indivíduos que participaram do estudo. O objetivo era chegar aos seus ancestrais mais distantes dos dois lados.
Isso é possível pelo estudo do cromossomo Y, que só passa de pai para filho, e do DNA mitocondrial, que é herdado (pelos dois sexos) da mãe.
Esses marcadores de linhagem, salvo casos de mutação, não se misturam com os outros genes e mantêm-se praticamente inalterados ao longo das gerações.
Assim, um negro brasileiro ‘carrega’ no cromossomo Y informações genéticas do seu ancestral masculino de diversas gerações anteriores e no DNA mitocondrial, da ancestral feminina.
Bantus
Para discriminar as diferentes regiões, Pena contou com o princípio genético que chama de ‘vingança do derrotado’.
Ele explica: um grupo chamado Bantu, que predominava no Oeste da África, espalhou-se pelo continente, e os homens passaram a se reproduzir com mulheres de outras regiões.
Assim, o fruto desse ‘cruzamento’ passou a carregar também o DNA mitocondrial das mães, que acabaram deixando nos filhos gerados pelos homens do grupo dominador Bantu as informações genéticas sobre a região geográfica à que pertenciam.
‘Quando o Bantu chega numa determinada região, ele, como dominador, se reproduz com as mulheres da região e aí o DNA mitocondrial das mulheres ‘entra’ na população Bantu. Por isso pudemos diferenciar os três grupos’, afirma Pena.
Com a proibição do tráfico negreiro ao norte da linha do Equador, em 1815, a importância de Moçambique, no sudeste da África, como fonte de escravos aumentou e deixou uma marca genética expressiva nos descendentes de escravos no Brasil.
Segundo o estudo, 12,3% dos indivíduos analisados tinham uma ancestral materna na região onde fica hoje Moçambique, um percentual maior do que o esperado.
Apesar da marca genética importante, segundo o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a influência cultural dos moçambicanos na cultura brasileira foi muito mais sutil do que a de escravos de regiões mais ao norte do continente africano, que chegaram antes ao Brasil.
‘Os moçambicanos foram os que menos preservaram sua memória. A reconstituição de comunidades africanas, misturadas a valores europeus – o sincretismo – tem uma dinâmica própria: quanto mais recente, menores as chances de que as comunidades se reproduzam e finquem raízes históricas’, disse.
Legado
Segundo Florentino, por terem chegado ao Brasil mais tarde, os moçambicanos não tiveram o mesmo tempo que escravos de outras regiões para estabelecer laços entre famílias da mesma origem.
‘Essa era uma tradição muito própria do cativeiro: a constituição de famílias escravas a partir de um critério endogâmico do ponto de vista étnico. Ou seja, um angola buscar uma angola , um mina buscar uma mina’.
‘Os moçambicanos tiveram que se abrir, buscar esposas e maridos nascidos aqui ou escravos de outras regiões. Com isso, se pulverizou e enfraqueceu a possibilidade de que sua herança africana se reproduzisse’, explicou Florentino.
A historiadora moçambicana Benigna Zimba, chefe do Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo , concorda com o historiador brasileiro.
‘Os moçambicanos chegaram em um momento em que outras rotas de tráfico de escravos para o Brasil já estavam praticamente desenvolvidas. Isso fez com que a integração de Moçambique com o Brasil tenha sido problemática, porque trouxemos uma cultura que, de certa forma, teve de se adaptar à cultura de outros escravos que já estavam integrados’, explicou.
Traços
Ainda que sem precisão, registros históricos já davam conta de um aumento expressivo da importância de Moçambique como fonte de escravos para o Brasil.
‘Eles representavam apenas 2% dos escravos no século 17, mas, com a interrupção do tráfico pelos ingleses ao norte da linha do Equador, o comércio no Sudeste da África cresceu e passou a representar cerca de 20% do total por volta de 1840’, destacou Florentino, autor de vários livros sobre o tráfico e a escravidão.
Isto resultou, segundo o geneticista Sérgio Pena, em mais chances para os moçambicanos deixarem suas inscrições genéticas na população brasileira do que africanos que vieram antes, que, pelos maus tratos, tinham uma sobrevida muito curta no Brasil.
‘A fecundidade era muito baixa até a melhora das condições de vida no século 19, quando medidas como a Lei do Ventre Livre começam a melhorar a expectativa de vida’, disse Pena.
De acordo com o estudioso, muitas mulheres africanas que chegaram ao Brasil no século 16 e 17 não deixavam filhos, o que pode ter tido impacto no estudo das origens genéticas do povo brasileiro.
Cultura
Por outro lado, a herança cultural moçambicana ‘se mistura a uma influência africana que está ela própria miscigenada com influências de culturas de outras partes da África’, disse Zimba.
Em visita à Bahia , ela disse que viu no Brasil ‘um pouco da maneira de se vestir, da alimentação, da forma espiritual, da dança, dos traços físicos, da forma de ser’ dos nativos de Moçambique. A utilização do côco na comida, o uso de adereços e miçangas no vestuário, cultos como o makweana e o chisunpi remetem à cultura de Moçambique.
‘Mas é difícil dizer se esta grande influência africana vem de uma região específica.’
Entretanto, sinais de que houve um valioso intercâmbio cultural também são evidentes em Moçambique. ‘O Carnaval, por exemplo, é comemorado em Moçambique exatamente nas regiões que mais exportaram escravos para o Brasil, como o porto de Quelimane. Aí temos também a cultura de batata-doce, trazida pelos traficantes de escravos que vinham do Brasil.’
Uma vez que a troca cultural da era escravagista funcionou mais fortemente no sentido oposto, no entanto, a historiadora acredita que ‘a busca da identidade deve se centrar muito mais no Brasil’.
Para Zimba, a busca de raízes americanas no continente africano pode ser uma iniciativa positiva. ‘Depende da intenção. Há movimentos políticos que apenas respondem a certas modas da política. Mas, em geral, a busca da origem étnica é boa, no sentido de que ela aproxima os povos.’
FONTE: http://www.bbc.co.uk em 29-05-07 (reproduzido do http://www.cedefes.org.br)
Obs.: Discordo de muitas das asserções de Florentino. Nossa maior miscigenação, como provam os nomes de nossa toponímia, os aportes em nossa língua, nossos usos e costumes adveio, pela ordem, de Angola, do Congo e, por último de Moçambique. Tarcísio José Martins.
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